Quando a crise atinge a imagem da sua marca nas mídias sociais.
Íntegra da minha coluna para a revista About Shoes, edição de julho de 2015.
Em abril deste ano, uma consumidora do Recife, Cynthia Cabral, postou em seu perfil do Facebook uma reclamação polêmica contra a marca de calçados femininos Arezzo. Em pouco tempo milhares de curtidas no post, comentários negativos e compartilhamentos levaram a situação aos principais portais de notícias da internet. Até o fechamento desta coluna, dois meses após o ocorrido, foram mais de 78,6 mil curtidas, 571 comentários e mais de 107,9 mil compartilhamentos. No Google foi possível encontrar centenas de publicações entre portais de notícias, blogs e fóruns de todo o país sobre o caso. Uma crise de imagem que com certeza abalou a reputação da marca.
Na publicação a consumidora contou que a palmilha havia descolado no segundo dia de uso, o que considerou algo até possível de acontecer. No entanto, o que a deixou mais indignada foi levantar a palmilha do calçado e encontrar embaixo da marca Arezzo, uma estampa com a marca Via Uno. Ela publicou a imagem, comprovou o ocorrido e externou toda a sua indignação com a marca, sentindo-se lesada e deixando a entender que pagou Arezzo e levou Via Uno, quando no mercado a segunda custa bem menos que a primeira na loja.
Crises de imagem são mais comuns nos dias de hoje devido ao poder que as mídias sociais conferem aos consumidores, razão pela qual torna-se ainda mais imprescindível para as marcas uma gestão profissional da sua reputação de forma contínua, com planejamento de ações preventivas e uma equipe preparada para a gestão de crise. Afinal, “shit happens”.
No caso da Arezzo, apesar da marca ter cumprido o protocolo, respondido aos comentários negativos no Facebook, emitido um comunicado oficial reconhecendo o equívoco e comprometendo-se a rever seus processos internos para evitar novas falhas, a repercussão negativa poderia ter sido evitada.
Ao analisar o caso no detalhe, nota-se na reclamação de Cynthia o que de fato a motivou fazer o post: o tratamento recebido por ela na loja quando solicitou uma solução. Mais da metade do texto no seu post descreve a experiência negativa com a gerente que a atendeu. E pelo relato, percebe-se que a profissional não estava capacitada para identificar a gravidade do problema de imagem. Ou seja, não houve uma preparação dela para avaliação e contenção de problemas deste gênero, protegendo a marca, maior patrimônio da Arezzo e o que justifica os preços cobrados em seus produtos. O que se viu do seu atendimento foi somente aquela política padrão de trocas, baseada na lei e muito comum no varejo, que é de encaminhar o produto à fábrica para análise. A consumidora esbravejou com esta opção.
No maior site de reclamações da internet, o Reclame Aqui, a reputação da Arezzo está classificada como “NÃO RECOMENDADO”. O período apurado é desde 21 de junho de 2012 a 31 de maio de 2015. Constam 97,2% das reclamações atendidas, 43,4% solucionadas e somente 29,2% voltariam a fazer negócio com a empresa. A maior parte das reclamações verificadas são sobre qualidade dos produtos e atendimento (solado descolando, calçados abrindo na frente, atendimento ruim, etc)
O caso da Cynthia, muito recente, não é o único de grandes proporções envolvendo a Arezzo nas mídias sociais. Em 2011 houve outra polêmica, só que no Twitter, quando lançou uma coleção com o título de Pelemania. Naquela época ativistas ambientais boicotaram o lançamento pichando e pintando com tinta vermelha diversas lojas da marca com o discurso de que os animais não precisavam pagar o preço da moda e nem as raposas precisariam ser mortas em nome da beleza. A polêmica foi do Twitter ao Facebook em questão de minutos chegando ao Trending Topics com consumidores comentando o ocorrido. A situação piorou quando os administradores da fanpage da Arezzo apagaram os comentários dos consumidores inflamando ainda mais o público. Ao final a marca cedeu a pressão e recolheu todas as peças da coleção, ficando com a reputação abalada.
Segundo o Ibope Media, cerca de 92% dos potenciais clientes utilizam a Internet como canal de pesquisa sobre empresas, produtos e serviços antes de efetivar uma compra. Quantos dos potenciais clientes da Arezzo devem ter desistido de comprar a marca ao encontrar estes casos na internet? Qual a percepção da Arezzo hoje diante destes ocorridos e o quão ela está próxima da sua imagem de valor percebido?
Acredito que o problema é muito maior do que a realidade, que deve estar mais próxima do comentário da consumidora Cynthia quando considerou até dentro de uma normalidade a palmilha do seu calçado descolar no segundo dia de uso, afinal, defeitos de fábrica em produção de grandes volumes ocorrem.
A resposta da Arezzo, diagnosticando o que provavelmente deve ter ocorrido para aparecer uma peça da Via Uno em um de seus calçados também vejo como passível de ocorrer. Nós que trabalhamos com o setor calçadista sabemos desta possibilidade. A indústria calçadista brasileira é uma das melhores produtoras de calçados do mundo. Sua falha maior no entanto é na gestão da imagem de suas marcas, que valorizam mais a moda estética de comportamento e não a institucional de marca, aquela que dá segurança ao consumidor de que os casos de defeitos de fabricação são eventuais, dentro da normalidade e que ele não será lesado por isso. Este é o recado dado pelas mídias sociais e que o mercado americano já havia previsto antes mesmo de chegar a internet, razão pela qual crescem vertiginosamente o Inbound Marketing e as agências de PR naquele país.
Uma marca com um plano de gestão da reputação bem estruturado com radiografia da imagem, avaliação das vulnerabilidades e política de proteção da marca tem condições de prever e reduzir crises, se recuperar mais rapidamente e, não raro, sair com uma imagem mais fortalecida. Sua marca está preparada para enfrentar um problema como este nas mídias sociais?